sexta-feira, 19 de agosto de 2022

18 cidades do Ceará decretaram estado de emergência pela seca todos os anos desde 2017

O Ceará viveu dois momentos distintos nesta última década: primeiro, experimentou uma seca prolongada (2012-2018), depois, comemorou bons volumes de chuva, especialmente em 2020 - ano em que vários recordes foram quebrados - e, agora em 2022, cujos índices também estão dentre os melhores da história recente.

No entanto, mesmo com dois anos de boas pluviometrias, a estiagem em alguns municípios não foi totalmente sanada. Nos últimos seis anos (2017-2022), 18 cidades cearenses tiveram, de forma consecutiva, situação de emergência reconhecida pelo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) devido à estiagem.

Os números foram levantados com base em dados fornecidos no Sistema Integrado de Informações sobre Desastres do MDR.

Situação de emergência

Dos 18 municípios cearenses que, ao longo dos últimos seis anos, tiveram decreto de emergência devido à seca ou estiagem reconhecido pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, três tiveram chuvas abaixo da média entre 2017 e 2022. Confira o desvio do volume de chuva anual em cada uma das cidades.

De todas essas cidades, apenas três fecharam estes seis anos - já considerando que as chuvas em 2022 não serão superadas - com índice pluviométrico abaixo da média: Deputado Irapuan Pinheiro, Jaguaretama, Solonópole.

"Após a concessão do status de situação de emergência pela Defesa Civil Nacional, os municípios atingidos por desastres estão aptos a solicitar recursos do MDR para atendimento à população afetada", pontua o MDR.

Mas, então, o que explica o pedido de reconhecimento por estiagem mesmo em cidades que, neste período (2017-2022), as chuvas ficaram acima da média em dado momento? O professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) no departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental, Cleiton da Silva Silveira, explica que uma soma de fatores pode justificar esse reconhecimento de emergência.

"Temos que levar em consideração que o Estado, de uma forma quase geral, enfrentou recentemente um longo período de chuvas abaixo da média. Isso afeta as bacias. Portanto, é possível que, mesmo com boas chuvas em um determinado ano, os aquíferos não consigam ganhar recarga significativa", explica o docente.

Cleiton adverte, ainda, para a demanda crescente de água. "O volume de chuvas está compatível com a demanda de determinado município? Pode chover acima da média e, ainda assim, a demanda ser maior. É preciso analisar, também, se essas localidades têm açudes capazes de armazenar água. Apenas a chuva, de forma isolada, nem sempre pode ser termômetro para essa questão", completa Cleiton.

ÁREA TERRITORIAL 

Outro ponto destacado por Cleiton da Silva versa sobre a área territorial. O docente diz que a distribuição das chuvas tem que ser analisada, pois, segundo ele, "as vezes, numericamente, um município tem boas chuvas, mas, na prática, o cenário é outro".

O também professor da UFC, Itabaraci Nazareno Cavalcante, concorda. "A abrangência territorial pode, perfeitamente, explicar a diferença de precipitações pluviométricas associada, logicamente, aos diferentes fatores que interferem no mecanismo", narra o docente do Departamento de Geologia.

Segundo ele, um exemplo palpável, em termos de Ceará, "são as diferentes médias pluviométricas observadas no litoral cearense desde Fortaleza até Jericoacoara, onde Fortaleza possui média de 1.500 a 1.600mm/ano, que vai decaindo a medida que se avança para Jericoacoara, que possui média de 700 a 800mm/ano. Isto tudo impacta o balanço hidroclimatologico e, consequentemente, a contribuição para açudes e águas subterrâneas".

Tauá, na região do Sertão dos Inhamuns, é um exemplo. Segundo maior município em área do Estado, com mais de 4 mil km², atrás apenas de Santa Quitéria, a cidade ultrapassou a média anual em 2020 (em 40%) e, neste ano, já está 13,6% acima da normal climatológica anual.

Ainda assim, o Município está com situação de emergência reconhecida pelo MDR até outubro deste ano. O pedido de reconhecimento foi realizado em abril. O secretário de Desenvolvimento Rural e Recursos Hídricos do Município, Francisco Augusto de Sousa Júnior, justifica os sucessivos decretos de emergência ao que ele chama de "seca verde".

"As chuvas foram muito irregulares. Não adianta chover, por exemplo, mil milímetros em um mês e depois não chover mais. A média vai lá pra cima, mas na prática isso não é bom. Quando as chuvas não são homogêneas, há uma rápida evapotranspiração. A água que o manancial aporta em determinado mês, rapidamente é perdida nos meses subsequentes em que há pouca chuva", acrescenta Augusto.

Questionado se os recentes decretos de emergência simbolizam um cenário de risco ao Município, o titular da pasta analisa que sim. "O cenário é de alerta. Estamos no que chamamos de 'seca verde'. Dependemos da água transposta do açude Arneiroz. Sem ela, poderemos ter, no início do próximo ano, problemas no abastecimento humano", alerta.

Para reduzir tais danos, Augusto Júnior detalha que estão sendo perfurados poços profundos em distritos e comunidades. "O objetivo é universalizar o abastecimento em Tauá. Foram implantados 41 poços de 2021 para cá, com recursos próprios e do Ministério", detalha.

Quixeramobim, no Sertão Central, tem cenário semelhante. Com a terceira maior área territorial do Estado, o município também superou a média pluviométrica anual em 2020 e 2022. Em fevereiro deste ano, no entanto, decretou situação de emergência por estiagem - o reconhecimento chegou ao fim no último dia 14 de agosto.

O secretário da Agricultura, Recursos Hídricos e Meio Ambiente de Quixeramobim, Antonio Célio de Oliveira explica que os números acumulados "não refletem à realidade" ao qual ele considera um "caos". "As chuvas nos últimos anos têm sido muito espaçadas, não serve para encher açude. O cenário hídrico hoje é um caos", externa.

Segundo ele, "caso não chova bem já no início do próximo ano, de modo a trazer boa recarga aos açudes, Quixeramobim vai ter grandes dificuldades no abastecimento". Para reduzir os danos, 80 poços profundos foram perfurados desde o ano passado. Contudo, este número não é suficiente, conforme avalia Célio.

"Já enviamos o pedido ao governo do Estado para implantarmos mais 50 poços. Temos um município muito grande, a demanda é alta", acrescenta o secretário. Em Quixeramobim, o reconhecimento estava vigente até o último dia 14. No entanto, conforme antecipou Célio, o pedido de prorrogação deverá ser feito. "É o caminho natural, a situação não está boa", finaliza.

Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), é outra que também possui uma grande área territorial - é a 33ª maior do Estado -, e, está em situação de emergência vigente mesmo com as boas chuvas, inclusive, tendo a média anual (1.185,7 mm) já ultrapassada neste ano.

A reportagem do entrou em contato com a assessoria de comunicação do Município para questionar o motivo do decreto de emergência mesmo em uma realidade em que os volumes pluviométricos foram superados em quatro dos últimos seis anos (confira abaixo). A assessoria, no entanto, não respondeu.

2017 - superou em 10,6%
2018 - ficou 20,3% abaixo da média anual
2019 - superou em 49%
2020 - superou em 39,2%
2021 - ficou 16,7% abaixo da média 
2020 - até agosto, já está 42,9% acima da média

Das 18 cidades que tiveram decreto de emergência reconhecido initerruptamente nos últimos seis anos, cinco estão entre os 15 maiores municípios em território do Ceará: Tauá (2º), Quixeramobim (3º), Crateús (6º), Mombaça (13º) e Quixadá (15º).

DECRETO VIGENTE

Atualmente, além das 18 cidades acima listadas, outras oitos também tiveram situação de emergência por seca ou estiagem reconhecida pelo Ministério. Das 26, apenas duas (Itapajé e Itatira) têm prazo vigente até janeiro do próximo ano, as demais, o reconhecimento federal dura até este ano.

Os municípios de Milhã e Beberibe terão o fim do reconhecimento ainda neste mês de agosto, nos dias 29 e 30, respectivamente. O decreto tem prazo de validade de 180 dias, podendo ser renovado por igual período caso o cenário permaneça inalterado. Para a prorrogação, o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) realiza uma nova análise para, só então, conceder a renovação.

Cidades com situação de emergência vigente:

Acopiara - Situação de Emergência 06/12/2022
Aiuaba - Situação de Emergência 12/11/2022
Beberibe - Estiagem 03/03/2022 Situação de Emergência 30/08/2022
Canindé - Situação de Emergência 09/11/2022
Caridade - Situação de Emergência 26/11/2022
Caucaia - Situação de Emergência 26/11/2022
Choró - Situação de Emergência 18/12/2022
Crateús - Situação de Emergência 28/11/2022
Deputado Irapuan Pinheiro - Situação de Emergência 19/12/2022
Irauçuba - Situação de Emergência 10/09/2022
Itapagé - Situação de Emergência 14/01/2023
Itatira - Situação de Emergência 16/01/2023
Jaguaretama - Situação de Emergência 05/12/2022
Madalena - Situação de Emergência 24/08/2022
Milhã - Situação de Emergência 29/10/2022
Mombaça - Situação de Emergência 19/11/2022
Monsenhor Tabosa - Situação de Emergência 21/12/2022
Morada Nova - Situação de Emergência 02/11/2022
Parambu - Situação de Emergência 20/11/2022
Pedra Branca - Situação de Emergência 14/09/2022
Potiretama - Situação de Emergência 26/10/2022
Quiterianópolis - Situação de Emergência 27/09/2022
Quixadá - Situação de Emergência 28/11/2022
Salitre - Situação de Emergência 18/12/2022
Solonópole - Situação de Emergência 05/12/2022
Tauá - Situação de Emergência 10/10/2022

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